OS FALARES DOS CONCELHOS DE TRASMIRAS E QUALEDRO

OS FALARES DOS CONCELHOS DE TRASMIRAS E QUALEDRO

Editorial:
BOLANDA
Año de edición:
Materia
LENGUAS
ISBN:
978-84-617-0161-2
Páginas:
776
Encuadernación:
Rústica
Disponibilidad:
Disponible en 5 días

10,00 €

O autor, Isaac Alonso Estraviz, professor universitário e lexicógrafo (para além da sua intensa atividade reintegracionista), é licenciado em Filosofia pela Universidade de Comilhas (1973), em Filosofia e Letras pela Complutense de Madrid (1974) e na mesma universidade em Filologia Românica (1977), Diplomado em Cultura e Língua Portuguesas pela Universidade de Lisboa (1976), Doutor em Filologia Galega pela Universidade de Santiago de Compostela (1999) com a tese “O Falar dos Concelhos de Trasmiras e Qualedro”: é esta obra a que agora publica sob o título “Os Falares dos Concelhos de Trasmiras e Qualedro”.

Cumpre lembrar antes de mais, especialmente para leitores do S da Raia, que a Galiza é ainda uma nação secularmente colonizada, cuja língua própria foi em grande medida substituída pela castelhana, na administração, na igreja, no ensino, enfim em qualquer instituição de poder. O derradeiro intento de borrar a identidade galega foi a introdução administrativa dumas “normas” (ortográficas, mas não só) cujo efeito mais palpável é tornar o galego um dialeto do castelhano.

Por isso são urgentes trabalhos de campo como o presente, cuja finalidade é a recolha o mais completa possível do material léxico dos concelhos rurais de Trasmiras e Qualedro. Trasmiras pertence à planície da Límia; o vizinho Qualedro pertence mais ao Vale de Verim, e limita com Portugal e a Serra do Larouco. Incluem-se dous mapas para poder formar-se uma ideia da configuração dos concelhos.

O método seguido foi múltiplo, com inquéritos a pessoas sobre temas concretos, objetos ou aparelhos já desaparecidos ou ainda vivos, mediante gravação com magnetofone, diálogos com tomada de notas em caderno, escutando falar as pessoas e intervindo só quando preciso; sinalando os objetos, as plantas ou ervas sem dar a conhecer que já se sabe o nome do termo pelo que se pergunta, e quando as ervas ou plantas não estão presentes, apresentar fotos das mesmas e perguntar pela sua denominação.

As pessoas idosas, alfabetizadas ou não, perderam muito do seu falar devido à televisão, à escola e aos filhos escolarizados, que se converteram em censores do seu falar e que lhes foram imbuindo vocábulos castelhanos. Contudo, têm bastante léxico patrimonial.

Quanto aos topónimos, limitam-se aos de Vila Seca (pátria do autor), para deixar constância deles, como exemplo desta grande riqueza que se está a perder pela imposição dum modelo económico explorador (por exemplo na “concentração parcelária”, que simplesmente elimina os riquíssimos nomes tradicionais das herdades).

Deixemos agora que o investigador nos descreva o seu método:

“Num primeiro momento decidi percorrer cada um dos lugares falando com a gente, em grupos ou ilhadamente, e gravar parte do que lhes ouvia (sempre com sua permissão) sem marcar tema algum. Deixava que eles falassem do que quisessem e como quisessem. Às vezes sugeria-lhes que me falassem da vida dantes: como viviam, como se divertiam, que comiam, trabalhos que realizavam, etc. Interessava-me sobretudo a espontaneidade. Gravei um pouco de tudo. Recolhia os jogos que praticavam quando miúdos e de maiores: entroidos, fiadeiros, festas, romances, lendas, etc.

“Notei desde o princípio uma grande desconfiança por parte das pessoas com as quais queria falar. […] Numas aldeias suspeitavam de que era um enviado do governo ou inspetor de qualquer cousa, noutras uma pessoa que trabalhava no emparcelamento, ou um advogado que ia defender um vizinho que andava em litígios com outro. Muitas vezes viam em mim um membro de alguma seita religiosa, testemunha de Jeová, etc.

“[…] optei por seguir um trabalho muito mais sistemático, organizado e sobre cousas concretas. Agora levava inquéritos concretizados sobre determinados temas para exaurir quanto mais material pudesse. Entrava aqui um percurso polas denominações de cada uma das partes da casa, dos apeiros de lavoura, das peças do carro, do forno, do linho desde a sementeira até ao tear, da matança do porco, dos trabalhos comunais, das festas, dos enterros, etc., complementando o que já tinha recolhido de certos ofícios e acrescentando aquilo sobre o que ainda não tinha falado, apresentando fotos de plantas, que nem sempre eram suficientes e requeriam ir ao terreno e levar-lhes um pedaço dela. No trabalho da fotografia colaborou comigo a minha companheira Manuela, especialista no ofício.”

Passemos agora a comentar algumas formas verbais e outras. Na fala espontânea ouvem-se as segundas pessoas do plural terminadas em -andes, -endes, -indes, do tipo sacandes, estandes, falandes, faltandes, faguendes, partindes, saindes. Mas noutras aldeias tinham as variantes terminadas em -ades, -edes, -ides, do tipo sacades, falades, estades, faltades, faguedes, partides, saídes. “O que num princípio parecia mais ou menos uniforme, na medida que ia avançando via que tal uniformidade era aparente misturando-se no mesmo lugar e nas mesmas pessoas umas e outras formas.” Na Gironda os maiores empregavam a forma eu foi (fôi=fui) por eu fum.

Algumas particularidades fonéticas.

A gheada: fenómeno estendido por todo o território objeto do trabalho. É suave, uma aspiração que nalguns indivíduos é quase impercetível, sendo mais clara naquelas pessoas que têm menos ideia do castelhano, cujos sons lhes resultam estranhos. Quando a palavra é patrimonial há vocábulos nos que em determinados lugares não se dá. Por exemplo, neles não se dá gheada com munguir, junguir, tanguer e domingo. Mas noutros dá-se gheada com munghir, domingho. Hoje, tanto um como outro fenómeno estão em retrocesso. “Como já tenho dito noutro lugar, isto demonstra que tanto um como o outro não são próprios do galego, senão originados pola interferência do castelhano cujos fonemas resultam estranhos e que conduzem os falantes a confusões e falta de segurança ao falarem.”

Aspiração do -z final de alguns vocábulos: arcah (arcas); capah (capaz); rapah (rapaz).

Rotacismo: bastante frequente, é o emprego do r por s: apor, derde, derdém, derdenhar, derfeita, garnate, lerma, limorna, merma, mermo.

Nasalidade, em várias aldeias: arçã em lugar de arçá de outros lugares.

Vacilação vocálica: vários fenómenos, como a passagem da vogal media central [a] à palatal semi-aberta [ä]: canäleiro, cäntar, casärio, grämil, länguiça, mädurar, Märia, quäntando; passagem do -a final a -e: Adelaida Adelaide, creme; o -a final umas vezes soa como tal e outras como e; vacilação entre a e: baixar beixar, bailar beilar. Normal é a transformação de a + um em òm. Assim temos: Listo com’òm alho; alternância de e e o: abelota abolota, debadoira dobadoira, ferroto forroto, pedoa podoa, pendom pondom pöndom, remeu romeu, temom tomom, terrom torrom; alternância de o e u: moinho muinho, forquita furquita; Chamosinhos Chamusinhos; de e e i: chedeiro chideiro, fêmea fêmia, tear tiar.

Algumas particularidades sintáticas.

Elisão de relativo: característica bastante frequente na frase: Iles andam é de noite; Iles querem é dinheiro; E vinherom buscando foi dinheiro; Manhá tés que me prestar é a burra; Anos que hai!; eu subim eram as nove; Eu sei!.

Elisão de preposição: Deram moita fazenda enferma; E nós tamém nos gustou; Bem elas hai!, faltando na primeira frase por, na segunda a e na terceira de; emprego de bem + moito: tinhas bem moitas vacas.

Ser + ir. Menos frequente no sentido de obrigatoriedade: era ir à veiga.

Emprego de il em interrogativas: bastante frequente em: il pode-se? e em frases de outro estilo: il é milhor deixá-lo; Il é o 10 de novembro; il que hora é, se fai o favor; Eu que sei! Il a gente…; Il o caso é que.

O pronome eu em frases comparativas é bastante frequente: É milhor ca eu; sabe mais ca eu; inda s’acorda mais ca i eu.

Artigo Definido.

Nele, as chamadas segundas formas só se empregam falando à pressa, havendo algum lugar em que não se usa em nenhum caso. A + o contrai sempre. O mesmo acontece com a + a; de + o/a contrai sempre; em + o/a também contrai sempre; por + artigo: por o, por a; por os, por as; ou polo, pola.

O pronome pessoal de terceira il transforma-se em toda a parte quando lhe antecede um e que passa a i (tanto em singular como em plural) e abre a vogal seguinte: eu i l, tu i la; vós i les, vós i las. Nossoutros e vossoutros: estas duas variantes de nós e vós apenas circunstancialmente.

Nos tónicos a cousa muda: com ela e com il são em geral mais empregados que co’ela e co’il. Com nós e com vós são menos empregados que connosco e convosco. Com a preposição a: a + il, a + ela passam sempre l, la: dixem-lhe l, dixem-lhe la. Lhes + os, lhes + as dão sempre lhos, lhas. Não há sequer um lhe-lo, lhe-la: lhe + os = lhos/lhe + as = lhas/lhes + os = lhos/lhes + as = lhas/llhe-los, lhe-las: não existem.

Nos demonstrativos as formas são: iste, isse, aquil, esta, essa, aquela, esto, esso, aquelo.

Nos pronomes contractos ou compostos, dá-se alternância de estoutro istoutro, estoutra istoutra, essoutra issoutra, aqueloutro aquiloutro, aqueloutra aquiloutra ainda que nem sempre por igual.

Nos identificadores, qualquera calquera são mais empregadas que qualquer calquer, dando-se interferências entre as quatro variantes. Cada quem ouvido em quatro localidades; cada qual empregado em quase todos os lugares.

Quatro é o normal: Catro só os velhos; Dazasseis, dazassete, dazoito, dazanove é normal. Não dezasseis…; Quarenta menos empregado: o mais normal é corenta. Oitenta só os velhos: por toda a parte se impôs já a forma castelhana ochenta. Quatrocentos é a forma normal. Catrocentos muito pouco empregado. Quinientos, a forma maioritária. Cincocentos é menos frequente, mas ainda tem bastante uso. Quinhentos não existe.

Comeis, 2 pes. pres. ind. nos velhos. Em 2 pes. pres. ind. estais nos velhos; crei (crei-me); Faguer fazer; imos/indes/inde; O tradicional é ouvir; pódia alterna com poda; poida com poda.

Só alguns exemplos de léxico patrimonial não usual, da letra A: acarrar (acarrear); acomedar (dar de comer ao gado); açouta (açoute); adinhir (acrescentar/adir); afaguer (afazer); afirir (confirmar); afoloar (bater no folão); alouminhar (acarinhar); amarogar (começar a tombar-se o linho).

No final do extenso léxico (acima de 11.500 vocábulos) vem um anexo de literatura popular, por vezes em galego e castelhano misturados, como não podia deixar de ser numa recolha oral dum país colonizado; são textos para jogos populares, refrães, adivinhas, trava-línguas, quadras populares (transmitidas ou criadas espontaneamente pelos informantes), romances (recitados ou cantados), etc. Um par de exemplos:

O paxaro da Maria
anda nas minhas cereijas,
come, paxarinho, come,
uero ver as que me deixas.

Tenho ua erva na horta
que rebentou polo pé,
tamém tu hás rebentar
por dizer o que nom é.

Lus e martes som dous dias,
quarta e quinta já o sabeis…

esta derradeira quadra aponta à situação precária da denominação dos dias da semana, em crescente erosão pelas formas castelhanas.

Nos romances castelhanos (ou esmagadoramente castelhanizados), a sintaxe continua a ser galega em muitos casos, como também a fonética subjacente: se (si), eses (esos), cuge (coge), mite (mete), cume (come), curre (corre), va en la guerra (fue a la guerra), viene ver (viene a ver), había tener (había de tener), Guan (Juan, com gueada), vos voy a divertir (os voy a divertir); nos galegos conserva-se o subjuntivo “vás” (alhures castelhanizado em “vaias”), e recupera-se o n que transmite ao pronome seguinte a nasalidade do vocábulo anterior, p.ex.: “tamém no hás de montar”.

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Carlos Durão
Carlos Durão é membro numerário da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP). Estudou en Vigo (bacharelato), Santiago (começo de estudos universitários) e Madrid (licenciatura de Filosofia e Letras, ramo de germânicas), donde partiu para Londres, em regime de intercâmbio universitário por dous anos, e em situação de exílio até à morte do general Franco. Foi professor de idiomas em colégios ingleses, redator radiofónico no Serviço Espanhol e Português da BBC, e tradutor técnico em organismos britânicos e do sistema da ONU.

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